sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Bafo Colonial

 "Não temos dinheiro pra ser hippies, por isso batemos latas ao invés de tambores budistas. Não temos dinheiro pra ser hippies, por isso o autodidatismo anti academia. Desde a periferia do mundo, onde já nos encontramos esgotadas, a resistência é imanente e jamais transcendental. Escolhemos a violência sonora, ao invés dos cantos e mantras pacificadores, afinal de onde falamos, só escutamos os tiros da policia e os sons das industrias que transformam nosso espirito em matéria comestível para continentes que nunca conheceremos"

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Zona de Conforto 2: Sem conservas!

 “Partimos da vida, única e exclusivamente dela”
Anônimo
Seria uma obsessão marxista tentar destruir o capitalismo? Acredito que sim, e nisso existe uma vontade criadora, aquilo que certamente seduziu grupos de artistas desde os anos 60 e suas erupções contra as instituições de todas as partes de globo, inclusive da América do Sul,  como é o caso de Tucumán Arde³, onde em 68, uma série de artistas se reuniram para compor uma resposta ao Regime Militar argentino na cidade de Rosário , nomeados recentemente em uma historiografia decolonial da arte de Conceitualismo do Sul⁴. A vontade criadora nesse caso é motivada por uma posição ética e logo política quanto à existência de si, e certamente as substâncias vitais que compõe aquilo que o artista produz, no caso de Tukumán é foi o regime de dominação vigente que retirava a liberdade de modo arbitrário e violento através da coação física. Quando deixamos de nos perguntar o que é tal coisa, resta apenas o como tal coisa vem a ser o que vemos. Essa herança wittgensteiniana  abre o tempo de realização da ação ao acontecimento, ao devir, que no contexto sempre servira ao presente e sua atualização na vida e para a mesma.
Em Caosmose: um novo paradigma estético⁵, Guattari propõe uma nova abordagem a concepção de estética existencial, diferentemente da construção  foucaultiana muito recorrida recentemente pelos estudos pós-estruturalistas⁶. Para Guatarri, a sociedade atual e todos os seus focos de singularização da existência, estão recobertos pela valorização capitalística. O reino da equivalência geral, a semiótica reducionista, o mercado capitalístico, tendem a aumentar o sistema de valorização. Esse paradigma é estético! E se apresenta como uma alternativa ao paradigma cientificista que subtende o universo da abstração capitalista
estando ligado a criatividade. No entanto, não se trata de uma abordagem artística de estetizar mais ainda o mundo, ou que o cognitariado artístico seria responsável por tal desafio. Nada disso coincide com o mundo dos artistas ou com o mercado da arte. Estaria diretamente relacionado a um processo de distanciamento ao imperativo do Individuo Soberano ante a multiplicidade da vida.
Como relacionar tal conceito com as guerrilhas estéticas que cartografei: Explicitando o caráter desindividualizante dos mesmos, analisando os focos parciais de subjetivação que se impõe fora das relações intersubjetivas, e também no movimento de abandono a um dos maiores mitos modernos, o Eu.  Para isso foi preciso trazer a tona agrupações coletivas de propostas artísticas onde a figura do Ser, completo e individual, nesse caso o Artista, não estivessem presentes, ironizando assim o “há quem pertence esse trabalho?” ou mais diretamente, onde a noção de propriedade intelectual não fosso determinante a ação em si. Aqui não importa quem fez, mas como isso pode significar uma arte de material vivo, mas que uma categoria de pensamento, nas palavras de Guatarri: “o importante é saber si uma obra ocorre efetivamente a uma produção transformadora no enunciado”.

Dessa maneira, a arte é liberada no seu encontro com a desterritorialização, nesse caso da norma, das instituições de saber e do controle biopolítico⁷- pois não serve a conservação de um simbolismo, ou de um ethos que eleve o acontecimento ou objeto a uma valoração moral no sistema capitalista.  A ação aqui deve ser capaz de produzir uma turbulência no contexto onde a mesma acontece.  Rompe-se a Zona de Conforto que conserva a vida isolada de sua realidade política, portanto criadora de novas realidades

Zona de Conforto 1: Cultura

“Todo infrator é criador”

F. Nietzsche
A Escola de Frankfurt soube por anos responder conceitualmente a miséria causada pela indústria de massa à vida cotidiana, ao modo como nos relacionamos com a arte, ou como fetichizamos os produtos da indústria cultural pelo consumo sempre exacerbado de bens que são mais úteis ao simbolismo partilhado que a sua função utilitária. No entanto poderíamos retomar aqui uma critica feita por Guatarri ¹ que se refere a cultura, a magia de seus bens e aos que por esse conceito ainda são orientados, como algo intrínsicamente reacionário.
Os mercados econômicos dentro desse conceito de Cultura, são responsáveis pela atomização das atividades semióticas do mundo social e cósmico em esferas padronizadas: instituídas potencialmente ou “realmente” capitalizadas para o modo de produção de semiotização dominante. Assim, cortadas estariam de suas realidades políticas, ou seja, de sua capacidade autônoma de produção, de criação e de consumo real – onde o capitalismo se ocuparia da sua sujeição econômica e a Cultura de sua subordinação subjetiva, podendo-se afirmar então que nada mais estaria apenas reduzido a lógica de mais valia econômica (lucro), mas também, na tomada de poder da subjetividade.
Para uma possível atualização de Adorno², e sua feroz crítica a indústria cultural em meados dos anos 60, pode-se afirmar que esse mesmo fluxo de consumo apenas não produz indivíduos consumidores representados enquanto tal pelo capitalismo, mas sim um corpo isolado de sua capacidade criadora ligado ferozmente a um desejo em normalizar-se por aquilo que toca. Assim, tudo o que pela indústria de massa é abarcado, incluindo a produção de arte e seu dogma do possível apenas abaixo ao Estado, compõe o agenciamento perfeito do império normalizante de indivíduos, onde sua ação reside na inclusão dos mesmos nos mercados econômicos sejam eles quaisquer, afinal a Cultura vista por esse ângulo seria a responsável por tal inclusão.
Se até mesmo a Cultura – sonho iluminista, democrata e por fim socialista - leva ao assujeitamento, estando obviamente sobre o mesmo fardo tudo aquilo que por ela se move, colocaria nesse espaço então a produção de arte contemporânea, onde poderíamos retomar o velho clichê de vida e arte, perguntando-nos se essa ligação ainda pode ser feita quando explicitamente agenciada pelo capitalismo mundial integrado, CMI em termos de Deleuze e Guatarri. A Cultura nessa pesquisa é apontada como uma Zona de Conforto, e os grupos e ações trazidas à luz dessa escrita buscam compor uma linha de fuga desse terreno em expansão desde a modernidade. 

Claire Fontaine, uma filiação Rebelde


  Claire Fontaine é um coletivo que foi fundado em 2004 em Paris. Depois de levantar o seu nome de uma popular marca de cadernos escolares, Claire Fontaine foi auto-relatada uma "artista readymade" e começou a desenvolver uma arte neo-conceitual. Trabalhando em neon, vídeo, escultura, pintura e escrita, sua prática pode ser descrita como uma interrogação permanente da impotência política e da crise da singularidade que parecem definir a arte contemporânea hoje. Mas se a própria artista é o equivalente subjetivo de um urinol ou uma caixa de Brillo – por seu deslocamento óbvio, privado de seu valor de uso e de troca que os produtos que ela faz - há sempre a possibilidade de o que ela chama de "greve humana." Claire Fontaine usa sua fraîcheur  e juventude para se fazer transformadora em qualquer singularidade, é uma terrorista existencial em busca da emancipação. Ela cresce em meio às ruínas da função do autor, experimentando com protocolos coletivos de produção, desvios, e o estabelecimento de vários dispositivos para a partilha da propriedade intelectual e da propriedade privada. Clair Fountaine então, é uma filiação rebelde a pesquisa que levanto, e junto ao conceito de “Greve Humana”, “furtado” da ala do feminismo radical dos anos 70 italiano, faço um mix com um novo trabalho que desejo realizar no ano de 2015.

Em 2011, Clair Fountaine realizou uma exposição no MUSAC, levando o nome de P.I.G.S, onde a mesma estruturou-se  sobre críticas a sociedade contemporânea, analisando através de suas obras as relações entre esferas de poder, do indivíduo e da posição do artista. A proposta que girava em torno do seu título seria um acrônimo, onde cada letra remetia aos países em crise depois de 2008, Portugal, Itália, Grécia e Espanha, mas que juntas, as iniciais formavam na tradução literal do inglês a palavra “porco”. Juntamente a essa idéia, Clair Foutaine produziu um texto chamado “Notas sobre a economia libidinal”, inspirado diretamente na obra A economia libidinal de Lyotard:

“9 - exceções. Em contraste. A experiência, que é pobre, ensina-nos que o amor não aderir a um assunto definido de antemão, que em suma o que se gosta ou que a que se liga no outro é a sua singularidade como tal, a sua cualsea singularidade, porque o amor não tem causa específica ou razão transmissíveis.  O que você ama no outro é a possível ou real que transporta agência social, a sua conexão e liberdade que faz com que nossos sentimentos podem surgir e persistir potencial.
Então, quanto mais governados ou incluídos em uma disciplina,  mais controlado e isolado em nossas ações e comportamento estamos. O governo vê as massas, mas considera apenas os indivíduos. Mede-se o poder, mas apenas se concentra em eventos.
Assim, entender como uma singularidade cualsea amada não é trocável enquanto que uma singularidade produtiva é isolada e individualizada e ainda substituível em todos os momentos.
As regras produtivas de substituibilidade universal fazer a nossa hesitação ideias recebidas. Sabendo que segurar os órgãos de controle sobre nossas vidas fazer tudo o que voltou ao poder algumas exceções. E quando encontramos o lado da lei, ele vai fazer-nos não depender de convenções estabelecidas, mas a única contingência desse atrito. Nosso presente tornou-se imprevisível, cada instante um momento potencialmente excepcional. 
Es así que la configuración nueva de la guerra opone el Poder Identificante a las singularidades cualsea; obliga a unos a la guerrilla suicida, a otros a la soledad anónima rodeada de objetos.”


NO Sofrer


                                                   “suscitar no imaginário comum das pessoas uma releitura sobre o sofrimento do corpo. Ao contrário da máxima cientificista que funda a doença desse território como uma patologia localizada no script da medicina, com cura prevista e fatalidade irreversível, o combo afirma que a causa de um corpo doente seria sua relação com os discursos opressivos que recaem sobre o mesmo – esses, processos de subjetivação históricos aos quais os afetos foram construídos. No entanto, esses enunciados lançados pelos dispositivos médicos, para as ações em si, não localizam-se imutáveis : NO SoFrer é também uma afirmação da capacidade de mutação desse corpo, para um estado de diferença, alegria e por que não de poder sobre si mesmo.” 





POX

Crises: Evocar crises contra as epistemologias fundantes do "campo da arte" como a noção individualizante: artista.

Território: Pensar a ação a partir de uma noção de território que não esteja associada de modo algum ao urbanismo ou ao design, pois aqui o atual território é o produto de inúmeros séculos de operações policiais. Elucidar a expulsão de pessoas para fora de seus campos, retiradas de suas ruas, para fora de seus bairros e halls de prédio, na esperança demente de conter toda a vida entre quatro paredes viscosas do privado. A questão do território não se coloca para nós da mesma maneira que para o Estado. Não se trata de possuí-lo, mas de densificar localmente as comunas, as circulações e as solidariedades afim de torná-lo ilegível e opaco a semiotização da Cultura. Toda prática da existência a um território. Quanto maior for o número de territórios de “arte” que se sobrepõe numa mesma zona, maior será a circulação entre eles, e menor o poder de controlá-los. Essa auto organização local, ao sobrepor a sua geografia própria  à cartografia estatal, incendeia-a, anula-a; ela produz a sua própria secessão.

Corpo: Sem mais clichês sobre esse “tema”. Não é um espaço passivo sobre o qual perpassa o biopoder, logo a redução em “tudo é subjetividade quando se fala em corpo”, levantada por muitos artistontos na arte contemporânea é um niilismo que usa o corpo como prótese morta, não como incorporação de outras possibilidades de existir.



Espaço: O espaço não é algo que está dado. Falar sobre ele não representa um suposto real dado no mundo. Os modos como dizemos, o que é dito, também afirmam e constituem o espaço. Há um discurso escrito, imagético e falado, bem como aquilo que experenciamos, constroem fragmentos que narram o espaço e ao narrá-lo o estabelecem. Logo, precisamos encontram uma nova forma de Deriva não hegemônica que libere o espaço desse estado de inércia. O termo espaço é expressão cujo significado variou historicamente e cujo sentido se especifica em relações entre discursos sempre em disputa. Portanto dizer espaço não corresponde a apreendê-lo, mas sim atribuir-lhe sentidos outros. 

“Queremos vida de verdade, vida pra além
de uma palavra que enfeita convites
de exposição. Por uma política visceral contra
o império da normalidade, e isso inclui que
a palavra política quando pela arte evocada,
seja capaz de falar a polis e não aos seus
senhores. O cognitariadx não
participa de nosso blefe estético despotente,
 nunca participará.  A arte só teve sentido
até hoje porque distante da vida esteve”

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Resenha Critica a exposição Manifesto, poder, desejo, intervenção

Althusser encontra-se obsoleto. Se nos anos 60, sua critica feroz acerca dos aparelhos repressivos de Estado foi o solo para o que hoje corresponde à nomenclatura de Critica Institucional, sendo assim as bases para desvincular as práticas artísticas da dependência das instituições, nos dias atuais nos deparamos com a incorporação total de tudo que se move “radicalmente” na arte pelas estruturas de poder, sejam elas estatais ou corporativas de mercado. Afinal, tanto os dispositivos de controle modernos como o Estado ou a sujeição da vida ao sistema capitalista, são as esponjas que sugam toda vitalidade produzida pelas novas formas de percepção do real, tardiamente florescidas nos trópicos após a finalização das Ditaduras Militares no Cone Sul.

Em cartaz no MARGS a exposição, Manifesto, poder, desejo, intervenção traz como tema principal a experiência estética como relevante e essencialmente política; apoiado em um dos nomes mais hypes da intelectualidade francesa, Jacques Rancière, o texto de divulgação ressalta a importância de entendermos a arte enquanto produção de diferença para uma melhor compreensão do mundo.
Atualmente uma análise macro estrutural é insuficiente para compressão da complexidade política que vivemos, é certo que nesse ponto as concepções de Althusser deixam a desejar, ou melhor, esqueceram de ativar o desejo como mola propulsora do sistema capitalista, incapaz assim de uma atualização da noção de estrutura como mera abstração, a qual nos indica que caminhos traçados a priori antes mesmo de nascer, “escolheremos” seguir. Se as estruturas não são fixas, a identidade também,  deixou de ser o confortável núcleo duro do sujeito, como bem lembra Foucault: “Não nascemos sujeito, tornamo-nos um”. De certa forma algumas desestabilizações como essa ajudaram a compor um novo campo de oferta para a arte contemporânea. Hall Foster em Pós-Crítica¹, alerta sobre o que restaria no atual contexto da arte se não o apelativo clichê a contemplação da beleza, a afirmação do afeto, a “redistribuição do sensível” ou a confiança no intelecto geral. Para Foster, a condição pós-crítica supostamente nos libertaria de nossas camisas de força, as estruturais como citei (históricas, teóricas e políticas), porém de modo geral, incentiva um relativismo que tem pouco a ver com o tão aclamado pluralismo – reverberação atual mal digerida da influência dos Estudos Culturais que tanto consumiu o outro numa relação de alteridade perversa.

 Manifesto, poder, desejo, intervenção é uma gafe, uma das piores de 2014. É certo que a arte deixou de ser descrita em termos espaciais, como estúdios, galerias e museus, e sua rede discursiva abrange hoje diferentes formas de estar e compor os mundos que lhe perpassa, ou como a encontrar, extrapolando o sujeito, suprimindo o objeto e até mesmo desmaterializando-o, como cita Lucy Lippard em Seis años: La desmaterialización del objeto artístico de 1966 a 1972 (2004). No entanto, esse terreno relativista de status quo com ares pra lá de pós-modernos explicita não apenas o apagamento da critica devido ao fato de uma boa parcela da arte estar entregue nas mãos de agenciamentos corporativos da indústria ou das migalhas estatais, mas se apropria descaradamente de políticas fora do establishment para suprir uma necessidade da Cultura², em reter subjetivamente as forças autônomas de produção de realidade fora da mesma. A exposição em questão, talvez nem mesmo mereça tal observação, acredito que quando falamos desde a Sudakalândia³, as questões podem ser outras.   

Em o Artista como Etnógrafo 4, Hall Foster aponta que a onda de artistas interessados “no outro”, esse, cultural, subdesenvolvido, oprimido e pós-colonial doente e sofredor ao tratar desses espaços e de suas condições políticas, econômicas e socioculturais como lugares de trabalho invertem as posições, onde os artistas assumem o lugar de fala do outro, em uma espécie de militância orgânica, associando-se a ele visando obter acesso a “alteridades transformadoras”. O problema que essa relação origina, é o fato de que este outro estaria imerso somente na realidade do mundo que o cerca, ou apenas abaixo aquilo que o discurso (linguagem) projeta sobre seu entorno e si mesmo. O artista é o intruso que invade o outro projetando sobre ele uma inatividade, quase que obrigatoriamente entregue a um “destino” triste. Em busca de reconhecimento, o artista contemporâneo não se vê capaz de criar outras formas de se fazer arte, seguindo então as demandas de circuitos da arte especializados no consumo da pobreza. Esse tipo específico de artista é a peça chave para a manutenção do estereotipo do exótico derrotado terceiro-mundista para contemplação da retina, de um público no Cubo Branco. A obra de Xadalu SOS Guarani Kaiowa é uma violência simbólica sobre comunidades indígenas, na medida em que as representam por um “banner” com fotografias de índios chorando. Criticas apontadas já desde o início dos anos 2000, como no artigo Corpo Colonizado, publicado na revista Gesto nº 2 de 2003, de autoria de Andre Lepecki, então professor de Performance Studies na Universidade de Nova York, questionam esse tipo de apropriação revelando uma trama de oportunismo no discurso: 

A pós-colonialidade aparece no discurso da crítica cultural ao mesmo tempo que outros qualificativos mais em voga (e normalmente vistos como mais positivos) no mercado cultural: o multi-culturalismo, o híbrido (cultural), a miscigenação (de culturas), etc. A distinção que faço entre pós-colonialidade e os restantes termos é a seguinte: a pós-colonialidade descreve uma hipotética transformação social resultante do desmoronamento dos impérios Europeus nos anos 50 e 60 (o último desses impérios sendo o português, que desaba em 1975 depois da Revolução dos Cravos). Assim, a pós-colonialidade (ou o pós-colonialismo) precede e permite a utilização dos outros termos (multiculturalismo, etc.) que seriam os nomes simpáticos que descrevem a entrada do corpo do ex-colonizado num sistema global de imagens, sons, peles e gostos onde o ocidental se redime do seu passado por via de uma “celebração” da “cultura” do até ontem colonizado.”

Se invertermos o mapa, os países latinos não seriam mais os últimos da América, mas os primeiros, e os países do Norte abaixo do continente Africano estariam. É pela imagem que recai sobre nós, que traçamos nossos caminhos. Não é uma questão simples a inversão, mas pode ser uma estratégia ousar explicitá-la enquanto possibilidade decolonizadora. É uma questão imagética essa que cria a necessidade de “se estão falando disso lá em cima temos que fazer aqui também”. É nesse ponto que reside uma falha de Manifesto, poder, desejo, intervenção, pois segue a demarche do momento (porém já nascendo desatualizada). O lobby político nesse caso serve apenas como atualização do que se esta em voga para realizar-se.  Desse modo, fica o público a mercê de subjetividades já mastigadas pelas curadorias, e a ilusão do “espectador emancipado” de Ranciére, que indiretamente é convocada por essa exposição, na ilusão que ao “ver estaria se vendo”, entregue a um jogo corporativo do Estado já obsoleto, porém realizado constantemente.
A "redistribuição do sensível" em  Jacques Rancière é uma panacéia e quando contraposta a transformação de coisas em signos, promovida pelo capitalismo, pouco mais do que um anseio; é o novo ópio ao mundo da arte. Encontramos ai um outro  lugar para compor uma linha de fuga, o das celebrações da beleza, das políticas do desejo e principalmente do desgastante clamor ao afeto. As representações de Queer, Feminismo, e políticas radicais, trazidas pela exposição, revelam o quão distantes dessas realidades esses artistas estão, , pois como manetas, respondem a uma demanda puramente oca de “arte política”, produzindo temas “singulares” porém sem singularidade. – obras vazias, produzidas por artistas vazios. Um esvaziamento típico daquilo que a pós- modernidade tem de pior: falamos do que não vivemos, e partilhamos ou “produzimos” com os restos da projeção superficial da imagem que quase tocamos. Ou seja, retira-se a substância de sua realidade política, entregando-a ao corporativismo paternalista do Estado. 

Como lembrou Hall Foster em O artista como Etnógrafo, quantas vezes já não nos deparamos com o clichê do artista nômade? Podemos nos perguntar, se esse tráfego de objetos-imagens é suficientemente corajoso a ponto de desestabilizar as realidades, como fizeram os mesmos, fora das galerias e da neo contemplação artistóide que o Estado agencia? 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Pós-Critica¹, Foster, Hall. Pós-Crítica, in Arte & Ensaios nº 2012. Rio de Janeiro: PPG Artes Visuais EBA/UFRJ, 2005

Cultura², Ver: GUATTARI; ROLNIK. Micropolítica cartografias do desejo

Sudakalândia³, Termo pejorativo utilizado na Europa para tratar imigrantes do Cone Sul – utilizado no texto performaticamente de modo positivo.

Artista como Etnógrafo 4: Foster, Hall, in Arte & Ensaios nº 25. Rio de Janeiro: PPG Artes Visuais EBA/UFRJ, 2013